Amarras de Papel

Amarras de Papel

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Tudo, sempre, começa e termina aqui no meu colo.
Tudo que nos enreda em tramas de fios delicados de densidade variada.
Não tenho certezas apenas arrumo grandes e pequenas sabotagens.

São intencionais mas não parecem ser.
Amarras de papel presas aos pulsos pálidos.

E um cansaço imemorial. Tudo que fiz me prendeu e termina por te aprisionar .
E ele jamais se culpa , jamais! Pega cada erro e os arremessa em meu colo
Cansada amarro perdas, persas, pedras, lágrimas e lembranças. Tudo encadeado.

Vi ontem marcas de lágrimas fantasmagóricas desenhadas na pele.
Lágrimas que guardadas transbordam. Desdenham dos meus segredos.

Rios secos. Fantasmas dantescos.

Cubro com arte e parte delas fica. Tudo fica
Agora mesmo recolhi algumas e forjo poemas
Penas, trancos, barrancos, covardias e corajosas bravatas

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todas sabemos quem sou

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a poesia vai e vem
hoje piscou fugaz
flertou comigo
um milionésimo de segundo
 
sem deixar um verso sequer
nem uma única rima

olhei em seus olhos
sorriu e correu 
mas eu vi

as árvores dançavam
embaladas pelo vento
contavam meus pretéritos
telepatia verde e ventosa

eu me fingia ocupada
o mundo por salvar
máscaras a usar

 olho a conversa secular
 murmuram velhas verdades
todas sabemos quem sou

Rosa Cardoso

O incenso perfura tudo

attractive beautiful beauty black and white
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Há uma agonia esquisita bem ali onde minto

Naquele pedaço de chão tem um tapete fino

Entremeei a trama de agulhas

Pintei de espinhos, flores, terra e sangue

Canto nos fins de tarde para ninguém

Cânticos enovelados ecoam na abóbada

Milênios de cinzas, certezas e dúvidas

Bem ali no canto recito todas as orações

Entremeadas de desvarios e vazio

Elas sobem alto no céu

Ele vê com o canto do olho

E talvez ouça

Atento e rápido

Desenha meus destinos indeterminados

Fala,sussurra , vaticina e murmura quem devo ser

Porque, eu sei, no princípio era o Verbo

Ele conta dum ciclo que se fecha…

Enuma Elish rondando minha cabeça

Tudo isso ou nada…

Não importa muito…

O incenso perfura tudo

Fumaça de dúvidas e preces

Elas cantam!

Nós mulheres entreteladas,

Entremeadas de sombra e luz,

Sibilas esvoaçantes

Sedutoras e assustadas

Enroladas em véus e cilício

Voando em tapetes mágicos.

AudioBoom

O Inferno

fire orange emergency burning
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Quando foi mesmo que aquilo começou? Acho que foi no meio da tarde, lembro-me do calor.

Não sei quem começou, não consigo lembrar, não que isso importe. O que importa é que meu sorriso voltou. Ele estava sumido, mas eu o vi no espelho hoje, sorrindo diante dessa mulher seminua e parcialmente desconhecida que reluz no espelho, entardeci quando quebrei o espelho e caí, eu despenquei em abismos coloridos e anoiteci resguardada na escuridão escrevo contos inverossímeis e rabisco muralhas ocas que mantém minha sanidade resguardada num canto qualquer desse aquário infernal.

Estou travada, emparedada, morta, presa. Ninguém vê minha arte, meu encanto fica circunscrito ao passado é fumaça. Há tanto a fazer e tão pouco tempo. Sozinha fica mais difícil, mas eu me adapto, esse é meu maior talento. Conjuro as memórias sem pressa, o tempo corre ao meu redor, mas preciso esquecê-lo e me concentrar na matéria prima. Versos perfeitos para um feitiço bem feito. Danço com as palavras: salvação, redenção e morte. Fecho os olhos e rompo as defesas uma a uma. São muitas, perfeitas e intricadas. Sua mente está cercada de bem construídas muralhas de escuridão. Por fim eu o vejo. Está imerso em pesadelos e só tem olhos para a mulher que eu sou que fui e que serei. Ela vai morrer, sempre morre. Já vi dezenas de vezes. Preciso me apressar, logo ele vai acordar sem que eu consiga dizer o feitiço que fiz, terminar minha artesania. Um desejo o rumo das nossas vidas, ao menos em parte. Vestida na pele da outra recito meus versos. Ele não se importa quando volto a ser eu mesma e sussurro o feitiço. Está feito. Ele volta ao sonho, mas não se lembrava do sonho em si, apenas do medo, do desespero e do desejo. Acordava naquela hora em que, embora seja muito tarde para dormir é muito cedo para levantar. A voz permanecia. Ela sussurrava a historia que também era a dele, enquanto as cinzas do que tinha sido uma vasta biblioteca de encantos e lendas dançava no vento e as cinzas eram quase belas rodopiando, segredando os gritos que haviam sido calados pelo fogo e pela espada. Abriu os olhos e junto com a dor foi atingido pela visão dela. Estava bela tingida pelas cores do incêndio mortiço e ele pensou num verso que combinaria bem com a cena, mas a dor afastou o breve surto de poesia. A dor e a lembrança dela eram quase a mesma coisa. “Quando trancei tua pele na minha eu me perdi” Ele pensou ou disse, não tinha certeza. Ela acomodou melhor a cabeça dele que sentia seus afagos e se encantava com a festa que os cabelos dela faziam em seu rosto e deslizou para um sono suave, sua mente vacilava entre o terreno do real e do sonho e num dos dois ela cantava feitiços numa língua morta e sorria e ela falava ou pensava, ou pensava e falava, ou ele dormia e sonhava “Minha sombra era maior do que eu e você, naquela época em que eu te odiava. Não tinha alma, agora você sabe. Era feita de um imenso vazio” Ele fechou os olhos para não ver como o rosto dela ainda era o mesmo, para não se encantar com as pequenas rugas que brincavam em torno dos olhos da mulher para quem compusera seus melhores poemas, seus melhores feitiços e as suas piores maldições. A mulher que carregava um pedaço de sua alma. “Como se percebe que alguém não tem alma quando a embalagem é tão bela? Eu não percebi.” Um fragmento de livro flutuou diante deles e ele pensou que parecia uma borboleta ferida. “Os livros não me falaram de você, Nenhum presságio me alertou do perigo em teus olhos,” Em algum lugar além do incêndio espadas retiniam e os últimos guardiões morriam. Ele lembrou de que ele também era um guardião, velho e cansado como aqueles que morriam lá adiante. Ela acarinhou seus cabelos brancos e voltou a cantarolar o feitiço. Ele não acreditava mais em feitiços. A pele da mulher tinha uma luminescência suave que ia se intensificando junto com a lua cheia que se erguia no céu e o encanto adquiria um ritmo mais febril. “Não precisa fazer isso, não me deve nada, fez o que precisava fazer. Naquela lua negra você não roubou um pedaço da minha alma, eu te dei.” Ela cantava e quando os assassinos dos guardiões cruzaram o portão uma luz imensa envolveu a todos e ele a viu cair enquanto era levado pela luz e escapava de tudo. Acordou banhado em suor. Um cão uivava. Gatos faziam buracos no telhado. E, por um instante, havia um olhar de brasa acesa num canto do quarto. Ele olhou de novo, mas não havia nada além da cadeira vazia. Lembrava-se desse olhar e da pele luminosa da mulher que se escondia nas sombras. Sonhos são sempre imprecisos, Mesmo esses que sonhamos acordados, essas visões alquebradas, velhas e vazias. O dia invadia a cidade enquanto ele afastava dos seus olhos as cinzas dos livros mortos e fingia não ver o fogo que dormia na pele da mulher sonhada. Ficou deitado, tomando coragem para levantar. As sombras do quarto se desfazendo, numa lentidão que agoniava. Caminhou pelo quarto para espantar as últimas teias de aranha que o sonho havia deixado. Ouvia a voz recitando os versos, sabia que era um feitiço um chamado, consciente ou inconscientemente direcionado a ele. Estava naquela ciranda há dois anos. Eram sonhos que continuavam de outros, sempre mostrando a mesma mulher. Acordava impregnado dela, seu rosto, seu sorriso sem nome. Por mais que tentasse pensar em outra coisa e ser racional não conseguia. Ela estava por toda parte. Blindava os pensamentos contra o olhar irreal e vagava pelas ruas soçobrando em cacos de beijos, morte e feitiços. As pessoas, a cidade, o trabalho pareciam sombras. O tempo se arrastava até o entardecer, quando ele corria para casa. Dormir e sonhar eram seus desejos. Tudo que queria. Dormir e lembrar. O mundo desperto era o pesadelo, o inferno, onde se escondia. Procurava-a nas mulheres que trazia para sua vida e se sentia ridículo procurando por seu demônio em cada rosto de mulher. No sonho ela o fazia sentir tão completo, que juraria que estava desperto e havia ainda aquela sensação familiar de ser totalmente amado; uma satisfação que, ele sabia era mágica demais para ser real.

Petra chegou à cidade no início de uma noite enluarada depois de uma viagem que ela disse ter sido agradável. Faz dois anos que a encontrei parada na entrada do meu prédio. Dois anos de considerações das implicações de acreditar em tudo que ela disse naquele dia. Dois anos de tentativas e de pesquisas, dois anos em que ela manteve a voz e os sonhos controlados. Ela era boa nisso, nessa coisa de invadir intricados cenários mentais, boa nessa coisa de investigar o que ninguém vê. Fechando os olhos ela me puxava para perto, era fácil já que eu queria ir e via minhas lembranças, meus sonhos, meus medos. Ela via o cara que me cerceava os sonhos. Eu ainda podia ver o sorriso dele, ainda sentia o gosto da ansiedade e do medo que sentiu no primeiro beijo que ela lhe deu. Podia sentir a raiva que sentira quando ela o mandou embora. Ela trazia tudo consigo quando voltava para mim. Estava tudo ali guardado em suas lembranças, escondido entre seus beijos e nos meus sonhos. Dois anos. É muito tempo para fugir de nossas obrigações e destinos. Nós duas sabemos e tentamos não pensar muito nisso. Amanhecia e a luz a acordou. Ela abriu os olhos sorriu pra mim, espreguiçou-se e deslizou até a cozinha. Essa foi uma das coisas em que eu a reconheci, esse jeito de andar como se dançasse que parece fazer o resto do mundo desaparecer. Ela cantava enquanto o cheiro de café perfumava o ar do pequeno apartamento. Eu me perdi na observação da rua e em vigiar a tempestade que se aproximava. Precisávamos bloquear todos os canais e afundar no mar de pensamentos corriqueiros para que nem mesmo eles a encontrassem, ela tinha me ensinado ou relembrado (como ela dizia) o que eu tinha de fazer. Podia sentir que estavam perto demais. Petra não pretendia voltar, não sem terminar o que veio fazer. E dizia que precisávamos dele para reaprender, refazer os caminhos e no processo reencontrarmos a nós mesmos porque éramos velhos amigos. Ela voltou com o café, trouxe alguns beijos também e transamos por algum tempo. O vento zunia. Lá fora a tempestade se adensava, o sexo amplificava nossos feitiços. Os feitiços dela para ser mais exata, pois eu tinha que adormecer e sonhar. Cabia a ela controlar tudo. Nossas mentes entrelaçadas num sonho agoniado… Ele estava perdido e sozinho numa cidade escura e sombria. Fugindo. Desviando de qualquer um que fosse remotamente humano. Nenhum feitiço de alerta. Quando se viram, nada o tinha preparado. Apenas ela parada no corredor, sorrindo e trazendo algo que ele tinha perdido. Mostrou-lhe o quarto e, naquele, segundo ele soube todas as respostas. Soube quem ela era. Sua amiga, sua mulher, sua favorita e sua salvadora. Vê-la sorrindo era tranquilizador. Ela entra no quarto. Ele acorda. Eu acordo. O coração disparado. O sol brilhando. O quarto estava frio, e pela janela, vi que finalmente a tempestade caiu. E saber o que iria acontecer era um tormento. Já havia visto aquela mesma tempestade pelo menos cinco vezes, Petra procurou uma cadeira perto de uma das janelas e esperou rabiscando anotações. Não estava nervosa apenas inquieta e impaciente. Esperou que me acostumasse aos fatos. Eles chegaram pouco antes das nove. Ela me olhou com o olhar cínico e divertido de sempre. Devolvi o olhar apenas por diversão e passei a avaliar a situação que teria de enfrentar enquanto a jogava sobre a cama.

— Oi Ravi. Que bom que está aqui. Tenho uma entrevista, marcada para amanhã no Templo… Sétimo andar. E não posso chegar lá sem você, portanto se apresse.

Eu ri.

— Você sempre fala tanto e tão rápido? Tinha me esquecido disso, nos sonhos não é assim. Lá você fala devagar, parece uma deusa.

Ela riu também.

— Não. Acho que estou cansada e sou uma deusa ligeiramente histérica. Desculpe.

— Quanto tempo até eles chegarem?

— Eu os enrolei com muitos relatórios a baboseira oficial de sempre, mas agora é tarde. A tempestade é obra deles você sabe.

— Eles sabem de tudo?

— Quase tudo. Não em certeza quanto ao fato de você estar mesmo preso nesse corpo, meus relatórios falam de uma permanência voluntária.

— Você tem de ir, não precisa se envolver mais e sabe que eu tenho que salvar a mulher.

— Diabos! Se eu não gostasse tanto de transar com você arrancaria sua cabeça fora! Esqueça a mulher ela é carne morta, já está morta agora só não sabe disso.

— Eu preciso…

— Não precisa. Precisa mesmo é dar o fora antes que a merda toda se repita! Ela nem sabe o que está acontecendo? Quero dizer, nem posso falar abertamente sem deixá-la arrasada? Preciso enfeitiçá-la todo o tempo.

— Claro que não sabe, até o último sonho nem eu sabia. Você cuidou disso da última vez, esqueceu? Deveria ter dito a ela enquanto transavam.

— Dito o que? Okay. Podemos começar assim: Prazer em conhecê-la, o fato é que essa desconhecida aqui é “seu”… Humm. Marido… Somos todos velhos amigos e trabalhamos juntos num projeto que deu miseravelmente errado e ao entrarmos aqui nesse universo, você foi invadida por ele e vai bater as botas. Não vai resistir ao entrelaçamento de nossas energias. Já morreu na minha frente cinco vezes. Nós ferramos sua vida!

— Você pode acrescentar que enlouqueci que resolvi voltar no tempo pra corrigir a falha que causou a morte dela. E fazendo isso nos prendi nesse circuito fechado de tempo em que repetimos indefinidamente essa cena patética.

— Chega! Temos pouco tempo eles estão aqui e você precisa vir comigo, Ravi. Que tentativa é essa? A milionésima? Querido você sabe o que resolve sua equação, deixe-a morrer e volte comigo.

Ela aproximou-se da parede e com um gesto discreto criou o portal. Onde antes havia a parede havia agora algo que parecia um bloco imenso de nada, sem substância, sem estrutura. Parecia um imenso vazio. Petra estendeu a mão.

— Vamos. Há pouco tempo.

Um estrondo que lembrava um trovão fez com que a voz dela ficasse mais urgente. Ele sentiu um ódio absurdo pela magia, pela ciência e pelo mundo de onde tinha vindo.

— De que adianta voltar se não posso salvar quem eu quero salvar?

— Metafísica agora não, prefiro quando você é cético. É simples ela morre e você volta comigo. E como você é ela, para mim dá tudo no mesmo, mas vou sentir falta da sua língua e dos peitos. Da janela ela via que o tempo tinha se esgotado.

— Tenham uma boa morte, nos vemos na próxima tentativa.

Finalmente ela chegou ao Templo e subiu rapidamente ao sétimo andar para a entrevista. As largas janelas que permitiam ver a mata. Chegou a uma sala onde a esperavam. Não estava nervosa apenas inquieta e impaciente. Os que esperavam ocasionalmente olhavam em sua direção naquela atitude típica de quem avalia os oponentes. Seu olhar acabou parando sobre um rosto conhecido. A sala esvaziou-se aos poucos até que ficou só com a outra. Elas se avaliavam.

— Sabe nadar?

— Nadar? Nado, mas muito mal, mas não preciso nadar para chegar até Ravi.

— São muitas as coisas que você não sabe e não está entre as minhas tarefas te contar. Basta saber que dessa vez não vai sozinha.

— Ainda bem… Acho que não gosto muito de você, mas qualquer ajuda é bem vinda.

— Escuta, me enganei com você uma vez, mas sei muito bem o motivo que te trouxe aqui, você não vai desistir dele e a ordem quer os papéis que vocês roubaram.

— É uma troca justa. Eu deveria te enviar para a fogueira ou para algum continuum infernal, ninguém jamais brincou com o tempo impunemente e não é você que vai conseguir me enganar. Aquela falha precisa ser corrigida e sem a minha ajuda você não pode salvar o seu Ravi.

— Pode ser, mas e quanto a nós duas?

Sorriu. Já tinha tentado tantas vezes sozinha quem sabe um novo olhar mudasse a equação. E Nalini seria uma ótima companhia. A outra demorou um instante para responder.

— Porque não? Pode ser divertido.

Rosa Cardoso

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lilith, marias e evas

Destaque

photo of woman walk through pathway
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Ao sul do equador,
Minha querida
Fica o pecado

Aquele que oferto

Espera-te resiliente e quieto
Numa caixa perolada

Prometo um vício repaginado
Originalmente inexistente
Falado numa língua diferente

Na tua

Naquela que desliza
Tudo que falo

Doer
Latejar
Piscar
Devorar-te
Ao sul do equador.

Dizem

Há cinquenta tons de cinza

Eu vejo claramente
Penugem escura

Dormente

Tuas lambidas distantes
Distraídas e inconsistentes

Ao sul do equador
Tudo gira

Sem as dores
Sérias de Eva

Sem os amores de Maria

Resta-me
Afundar no umbigo de Lilith
Alimentar fogo com fogo
Antropofagia!

Rosa Cardoso

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Destaque

COPACABANA

city buildings near body of water
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Está quase na hora de ir. Dou uma olhada nas informações sobre o trânsito por força do hábito, entre um relatório e outro, entre uma conversa e outra. “… apresenta trechos com morosidade para quem segue no sentido… na noite desta sexta-feira, informa a Companhia de Engenharia de Tráfego. O fluxo intenso de carros acontece entre Santa Clara e Bolívar… lentidão no trecho entre as ruas República do Peru e Santa Clara. Nas proximidades da Rua Duvivier não há registro de trânsito ruim.” Por alguma razão estúpida estou assim vagamente triste. O celular toca e, distraído falo com minha mulher enquanto vejo a tarde caindo e me bate uma enorme vontade de ficar mais um pouco e ver o mar. Digo que vou chegar mais tarde e caminho atento e ao mesmo tempo esquecido dos perigos e da pressa. Estou meio turista. Nesse horário todos parecem apressados e eu andando devagar, preguiço pelas ruas, pensei em ir até a Modern Sound, mas desisto e sigo caminhando sem saber por que nem pra onde. Passo por uma moça e noto que ela tem pernas lindas daquelas esculpidas arduamente em alguma academia. A garota abre um enorme sorriso e me diz um oi mudo, mas caloroso. Penso que deveria parar, mas continuo caminhando e sei que vou ficar pensando naquelas pernas, naquele oi e naquele sorriso por semanas. Não é lá grande coisa, já dispensei alguns muito piores e tive alguns muito melhores. A vizinha não é má, só não estou no clima.

–… Inferno que diabos eu tenho hoje? Copacabana é um bairro legal, gosto daqui. Imóveis baratos, supermercado perto, farmácia, cinema, praia, ônibus, sexo, cerveja e principalmente por poder dizer que se está na Zona Sul, em uma área que já foi nobre. Tiro o paletó e continuo andando, não consigo nem lembrar quando fez frio a ultima vez. O telefone toca de novo,olho o número e não atendo, tenho preguiça. Falar o que? A gente se conhece, mas não se conhece de fato é tudo uma grande besteira. Melhor não atender. Preguiça de ser educado. Chego até a praia e sento num dos bancos de costas para a cidade, escutando o barulho do mar. Lembrei do Drummond que fica por ali como um fantasma de poeta. Nunca fica sozinho tem sempre alguém fazendo carinho, querendo uma foto, dando beijinhos. Como estou meio turista penso em ir até lá, mas não saio do lugar, fico só na intenção. Onde estou é mais quieto e acho que a presença do poeta sentado ao meu lado talvez me incomodasse. Mas eu estou com um ar tão sério e contemplativo que daqui a pouco alguém passa e me faz um carinho! Sem o Drummond, meu cúmplice para desviar a atenção, sou um alvo fácil aqui. Talvez acabe indo tomar uma cerveja ao lado do poeta, assim que essa sensação de vazio passar. Percebo com o canto do olho que alguém se aproxima, como não estou mesmo a fim de papo me coloco na ponta do banco. O outro cara continua de pé por um tempo e eu torço pra que vá visitar o Drummond e me deixe ali quieto e só. Ele parece ter outros planos e depois de um tempo senta na outra ponta de costas para o mar.
– Oi.
– Oi.
– Gosto de vir aqui sabe… Durante o dia seria melhor, o sol, as bundas em desfile, mas não se pode ter tudo.
– Olha cara eu realmente não to muito sociável hoje.
– Eu sei, percebi que está meio tristonho.
– Como assim percebi?
– Ah é que eu te observo de vez em quando, é um membro interessante da fauna.
– Me observa?
– É o que faço antes de caçar, gosto de escolher com cuidado, mato só quem quer morrer de fato. Voltei-me pra ele já pronto pra uma briga, mas algo na aparência da figura me fez ficar arrepiado, aquele cara não parecia exatamente humano era como uma cópia muito bem feita e até mais bonita de um de nós. Perfeito. Sobrenatural. Ele sorriu ao perceber meu susto, mas eu continuei a conversa, se ia morrer ia ao menos saber por quê. Seria mais do que a maioria dos mortos conseguia.
– Que estória é essa de caçar?
– Não me leve a mal não é pessoal apenas preciso matar pra continuar vivo, como gosto de ficar vivo eu mato, mas sou seletivo e delicado. Tinha até desistido de você.
– Sei. E porque mudou de ideia?
– Não mudei completamente, mas resolvi te dar uma escolha antes de te matar, você tem uns dias pra pensar.
– Que gentileza a sua. – Eu disse sem sorrir.
– Admito que gosto de te ver por aí e parece ser uma companhia divertida.
– O que você é? Um vampiro gay?
– Não exatamente. Um vampiro, sim, e como tal eu não preciso me prender a certos conceitos… Com o tempo isso acaba se tornando divertido.
– Sei.
– Sabe você lê muito, ama sua esposa, tem amigos, mas ultimamente anda estranho, fica mais em casa, bebe mais, dorme menos, quer emagrecer, ri menos da vida, mas nem por isso deixa de sorrir. Gosto de você e por isso quero te dar um presente. Pensei vagamente em porque diabos não fui pra casa.
– Ah isso? Você está aqui porque eu mandei essa sugestão, faz parte do pacote de poderes.
– Morder pescoços também e eu ando pensando em ser vegetariano.
– Isso também é opcional, alguns vampiros gostam de obter energia assim eu prefiro o modo dos íncubos e súcubos.
– Íncubos e súcubos? Sexo? Pensei que vampiros não transassem.
– Como disse eu prefiro assim, é mais divertido. Mordo os homens, transo com as mulheres e roubo a energia.
– Sei.
– A proposta é bem simples: eu posso te morder e matar, o que seria simples, já que estou faminto.
– Sei.
– A outra opção é você virar um parceiro. Dou o poder, mas você larga tudo e vem comigo. Você tem até amanhã à noite. Não se preocupe, eu te acho. Dizendo isso ele sumiu me deixando aqui olhando o mar.

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Grand Ópera verídica.

Destaque

adult beautiful blur casual
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Se a mezzo-soprano
te soprasse uma promessa
descuidada e apressada:
Vivaldi nos auto-falantes…
Mozart, rock., tecno-funk…
se a mezzo-soprano
sussurrasse:
…Inquieto esse desejo!
e te desse esse beijo
transformasse tesão
em fato ,
em ato
num canto qualquer…
será que te esqueceria?
será que seria mais fácil?
Fetiche,
Lapso,
Regente,
Saxofone e harmonia
o coro canta
cuidado!
e ela sussurra:
que se dane!
se a mezzo-soprano
descuidada e apressada:
tropeçasse no ar
Vivaldi soando
funk, punk
e o tombo
sonoro
retumbante
Braços abertos
Como asas, planícies,
Balé, vida e a voz ressonante que
Insiste e
Incide…
Se ela sussurrasse:
e te desse esse beijo
transformasse tesão
em fato, em ato.
num canto qualquer
Mozart,
rock… Electronic music
colapso.
Inquieto esse desejo!
o coro canta
cuidado!
e ela sussurra:
que se dane!
Na noite mal cuidada
de vodca,
Vivaldi, lago dos cisnes,
nona sinfonia
Ele, moreno,
Contratenor, DJ, hinduísta.
Com ela, a mezzo-soprano
num drama musical;
Grand Ópera verídica
de uma vida insone.
o coro canta
cuidado!
e ela sussurra:
que se dane!
*

(Rosa Cardoso e Jessiely Soares)

Bem Dito Rosa: Grand Ópera verídica.

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Destaque

Encanto número 19

closeup photo of woman lying on gray pavement
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ando na linha
cortando paradoxos
perto dos abismos

corro atrás
d’um sismo
d’um vento torto
d’um sopro na nuca

d’uma mágica
encanto de outro mundo

p’ra abrir as asas
içar velas
pular noites e dias

virar ocasos em alvorada
acalmar tempestades

escuta?

grilos
pirilampos
borboletas
gentes

falam das cismas
caixas e encaixes

prenso a respiração na entrelinha
esforço p’ra soprar neblina

Não fiz nada e hoje já é ontem!

sem querer,
quase noite
nuvens magenta
arrastam- se

olhos insones

corri desastrada
tropecei no vestido
rendado de promessas

queria voar ou nadar

era tão tarde ou tão cedo
o salto quântico ninguém viu

a terra seguiu girando
naquele ocaso por acaso

era quase noite
nuvens magenta

tantas!
Imensas!

atrás do tempo,
tempo que vinha

dias a fio enfastiados
desta tarde inteira

acaso sem fim
a lua escorrega

chegou quando dormia
e desaba na noite que caía

dentro dos espelhos
avessa e cansada
dos futuros que entrevia

visagens inúteis
numa tarde qualquer

cacos de riso pelos cantos
rasgando a pele diáfana
e a luz respinga por aí

pinta retalhos rendados
na pele nua do tempo,

tempo que vinha
tempo que foi sem ter sido

fechamos os olhos
driblamos a escuridão
dentro dos espelhos
visagens inúteis
numa tarde qualquer
que o breu comia

Rosa Cardoso

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Destaque

Parca

photography of a woman holding lights
Foto por Matheus Bertelli em Pexels.com

Alguém vaticinou
em eras perdidas,
entre sonhos e
quimeras ,
entre uma volta e outra
do fuso
que não nos veríamos jamais.

Trapaceiro decidi
…vou vendado

fecha os olhos
o vaticínio se mantém
e você não terá me visto
nem eu também

pronto
problema resolvido
sucesso garantido
o resto era acessório

tua pele e a minha
tem um mapa
que conheço bem

….vou deixar escritas
Instruções
Em braile
gravadas na pedra

responde,
e qualquer dia te pego…
numa parede qualquer.

Rosa Cardoso

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